Banco Central anuncia programa de US$ 105 bilhões, em ofensiva sem precedentes para deter a escalada da moeda americana, segurar a inflação e estancar a alta de juros. Analistas elogiam clareza das medidas e avaliam que ação do BC permitirá ao país manter as reservas intactas
BC anuncia a maior intervenção da história e venderá, até o fim do ano, mais US$ 60 bilhões. Desde janeiro, já havia despejado US$ 45 bilhões no mercado, sem sucesso
Diante dos riscos cada vez maiores de a inflação sair do controle, por causa da disparada do dólar, e para que não ser obrigado a aumentar, além do desejado, a taxa básica de juros (Selic), o Banco Central anunciou ontem a maior intervenção da história do país no mercado de câmbio. A autoridade monetária venderá mais US$ 60 bilhões, de hoje até 31 de dezembro próximo, para corrigir o que considera excessos nas cotações da moeda norte-americana, que já bateram em R$ 2,45, o maior nível desde 2008. Levando-se em conta que, desde o início de 2013, já foram despejados no sistema US$ 45 bilhões, a megaoperação poderá alcançar US$ 105 bilhões, o correspondente a 28% das reservas internacionais brasileiras, de US$ 373,5 bilhões.
Segundo o BC, de segunda a quinta-feira, serão feitos leilões diários no valor de US$ 500 milhões cada de swap cambial, uma espécie de venda futura de dólares. Às sextas-feiras, a intervenção se dará por meio de leilões de linhas em dólar, com compromisso de recompra, de US$ 1 bilhão. Ao anunciar a intervenção, a autoridade monetária ressaltou que o objetivo é “prover hedge (proteção) cambial aos agentes econômicos e dar liquidez ao mercado”. A última vez que o BC havia jogado tão pesado com o mercado foi em 2008, logo depois do estouro da bolha imobiliária norte-americana. À época, as intervenções somaram US$ 50 bilhões. Antes disso, somente em 2002, quando os investidores empurraram o dólar a R$ 4, temendo a vitória do então candidato petista Luiz Inácio Lula da Silva. Naquele período, as intervenções, de US$ 50 milhões, foram chamadas de “rações diárias”.
O BC destacou, porém, que não se furtará em fazer operações adicionais, “se julgar necessário”, caso o mercado insista em provocar distorções nos preços da divisa dos Estados Unidos, que ontem foi cotada a R$ 2,432 para venda, com queda de 0,78%. A presidente Dilma Rousseff, que, nos últimos dias, reuniu-se com um grupo de ministros em busca de medidas para “suavizar” a alta do dólar, considera aceitável um valor máximo de R$ 2,30, para ajudar a competitividade da indústria nacional.
A medida, definida dentro do governo como um “caminho cristalino” dado aos investidores pelo BC, foi bem recebida pelos especialistas. “Trata-se de uma forte mudança na estratégia do governo e, na nossa opinião, a forma correta para conter a alta do dólar ante o real”, disse Aloísio Teles, diretor da Nomura Securities. “As intervenções vão aumentar a previsibilidade do mercado, o que pode ser o caminho mais eficiente para tirar os excessos de volatilidade do sistema”, emendou.
Na avaliação do diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Macroeconômicos do Bradesco, Octavio de Barros, o BC está no caminho certo. “A medida é uma maneira de tentar ajustar a taxa de câmbio aos efetivos fundamentos da economia doméstica e global. Isso é vital para descartar uma aceleração dos juros”, afirmou. Para o economista, a perspectiva é de que o Comitê de Política Monetária (Copom), que se reunirá na semana que vem, promova mais duas rodadas de alta de 0,50 ponto percentual cada na taxa básica de juros (Selic) até o fim do ano. A se confirmar esse quadro, o indicador passará dos atuais 8,50% para 9,50% ao ano.
Reservas intocadas
Segundo Ítalo Abucater, da Corretora Icap Brasil, em um primeiro momento, a ação do BC deve derrubar a cotação do dólar, mas ponderou que, a longo prazo, apenas conterá o movimento de alta. “Isso mostra o comprometimento do governo de corrigir excessos, contudo, não garantirá um preço mais baixo por muito tempo. Não acredito em um dólar muito abaixo de R$ 2,40”, afirmou. “A medida também reduz a pressão sobre a próxima reunião do Copom. O BC não terá que pesar tanto a mão nos juros para conter o repasse da alta da moeda norte-americana para a inflação”, emendou.
Analistas ressaltaram ainda que, ao optar pelos swaps cambiais e pelas linhas de recompra, o BC mantém intocadas as reservas internacionais. Caso, porém, haja uma nova arrancada da
divisa dos EUA, sobretudo se o Federal Reserve (Fed), o BC norte-americano, diminuir os estímulos monetários mensais de US$ 85 bilhões à maior economia do planeta, a instituição brasileira terá um estoque suficiente para conter uma supervalorização.
Longe do pânico
No entender do economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, o BC afastou o risco de pânico no mercado, que estava gerando problemas para a inflação. “Ao mesmo tempo em que contém pressões inflacionárias, o BC evita que a especulação prejudique empresas altamente endividadas em moeda estrangeira”, frisou. “O cambio no atual patamar atrapalha muita gente. A dívida externa privada saiu de US$ 100 bilhões, em 2008, para US$ 180 bilhões, agora. Tem muita gente exposta”, acrescentou. O dólar mais contido também ajuda o governo a administrar melhor o reajuste dos combustíveis que virá nos próximos meses para ajudar a Petrobras.
Em entrevista à Rede Globo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que a valorização atual do dólar, de quase 20% no ano, é “excessiva e passageira”. Ele informou ainda que reduziu a previsão de crescimento para a economia neste ano de 3% para 2,5%, mais em linha com o que estima o mercado. O Itaú Unibanco fala em expansão de 2,1% para o Produto Interno Bruto (PIB).
Ontem, antes de o BC anunciar a megaintervenção, o dólar mostrou forte oscilação, refletindo o nervosismo dos investidores. Os preços da moeda norte-americana só recuaram, porém, depois dos leilões de venda realizados pela autoridade monetária. Mesmo com a queda, a divisa dos EUA acumula valorização de 6,55%. Trata-se da maior alta em relação a todas as moedas do mundo, segundo a Consultoria CMA. Para o economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) René Garcia, o câmbio está desorientado, e isso reflete, em grande parte, a falta de consistência das ações da equipe econômica. “O governo foi teimoso e assumiu o risco de ver um quadro com expectativas tão ruins, como o atual. Os investidores estão frustrados com o país”, disse.